🇬🇧 Human being: place of love (of God) 

We live today in a society of fatigue, a society that invites us not to sit still, to add more and more speed to our actions and consumption, so as not to stop feeling “alive”. But in speed, it is difficult to find the creative action of the spirit. Speed only reproduces and spreads. That is why we end up alienated. Looking to feel “alive” one ends up more fatigued than before. In fact, Francis invites us to “waste time” in order to meet others, ourselves, and God. Wasting time is a countercultural action, which comes out of the logic of filling time with “things”. This article helps to develop that art of letting ourselves be found there “where we are”. 

🇪🇸 Ser humano: lugar de amor (de Dios) 

Se vive hoy en la sociedad del cansancio, una sociedad que invita a no quedarse quieto, a imprimir cada vez más velocidad a las acciones y los consumos, para no dejar de sentirse “vivo”. Pero en la velocidad es difícil el encuentro, la acción creativa del espíritu. En la velocidad solamente se reproduce y se desparrama. Por eso se termina alienado. Buscando sentirse “vivo” se acaba más fatigado que antes. De hecho, Francisco nos invita a “perder tiempo” para encontrarnos con los demás, con nosotros mismos y con Dios. Perder tiempo es una acción contracultural, que sale de la lógica de llenar el tiempo con “cosas”. Este artículo ayuda a desarrollar ese arte de dejarnos encontrar allí “donde estamos”. 

🇵🇹 Ser humano: lugar de amor (de Deus)   

Vivemos na sociedade do cansaço. É que somos convidados a não ficar quietos, a imprimir cada vez mais rapidez às nossas ações e aos nossos consumos, para não deixarmos de nos sentir “vivos”. Mas na velocidade é difícil encontrar a ação criativa do espírito. A velocidade só reproduz e espalha. É por isso que acabamos alienados. À procura de nos sentirmos vivos, acabamos mais cansados do que antes. Na verdade, Francisco convida-nos a “perder tempo” para conhecer os outros, a nós mesmos e a Deus. Perder tempo é uma ação contracultural, que sai da lógica de preencher o tempo com “coisas”. Este artigo ajuda a desenvolver essa arte de nos deixarmos encontrar. 

(…)
E o que vai ser de ti? Serás talvez
não o que deus não foi para ti: rins
cingidos mas um nome para a tua timidez

Do poema Lembra-te ó homem, de Ruy Belo

“Onde estás?” Pergunta fascinante que abre todas as interrogações bíblicas. É Deus o primeiro a clamar pela sua criação. Por nós. Apercebo-me que por vezes quando se telefona a alguém surge a curiosidade do lugar. “Onde estás?”, pergunta-se. A resposta pode ser a mais corriqueira; “em casa”; de passagem, “vim trazer a filha à escola”; profunda, “em busca de mim”. Estamos sempre nalgum lugar. Há um espaço que habitamos, de corpo, em corpo. E Deus quer saber sobre esse lugar. Quer saber de nós a partir do nosso olhar, da nossa resposta autêntica da experiência de fé que atravessamos. Seja qual for.

Marc Augé, antropólogo, desenvolveu o conceito de “não lugar” para os sítios de passagem, sem marca desse habitar profundo de existência. Pode ser um aeroporto, um centro comercial, um quarto de hotel, onde se transita sem ficar. Entenda-se o ficar na relação que humaniza, no encontro com o outro que transforma. Resgatando a citação de Gabriel Marcel que o Papa Francisco apresenta em Fratelli Tutti, “só comunico realmente comigo mesmo, na medida em que comunico com o outro”. Para comunicar é preciso dar-se conta do lugar que se habita na existência. Até que ponto não se estará em não lugares de alma? Em desajustes internos que impedem a resposta firme da presença? Sendo nós templo do Espírito Santo, por vezes sem dar conta perdemo-nos do centro e aos poucos vamos sendo invadidos de comércios internos, de moedas de troca, onde os dons são desbaratados e o ser despersonalizado. Torna-se um não lugar. E Deus quer ficar. Tem zelo por cada um de nós.

Imagino o centro do lugar, do ser, como amor iluminado. No entanto, a luz vai sendo rodeada com véus, muros, redes, grades, impedindo-a de irradiar e pôr a render o seu talento. Então, somos chamados a fazer o caminho de des-cobrir esses véus, muros e afins. Que nomes terão? O medo do julgamento? A incompreensão da vida com votos, sejam religiosos ou matrimoniais? Achar-se incompleto ou imperfeito? Comparações? Vergonha ou até mesmo nojo do que possa ter feito ou tenha vivido? A limpidez das respostas ajudará a derrubar, rasgar, cortar, dissipar essas barreiras permitindo a luz irradiar.

Ao longo dos acompanhamentos, escuto pessoas desajustadas do seu lugar, a partir de muitas perguntas. Sentem-se incómodas consigo mesmas tendo efeitos na relação com os outros. O tal despersonalizar de ser templo do Espírito, sendo ocupado por ruídos, alheamento, ecos de obrigatoriedade em viver, no suposto em nome do amor de Deus e ao próximo, o anular-se de si. Sinto dificuldade, ajudado precisamente pela pergunta “onde estás?”, em crer em Deus que deseja a anulação da sua criação. Se Deus nos procura, então quer saber de nós, do nosso lugar. Proponho o exercício de tomar consciência desse espaço habitado de existência, partindo da respiração, do toque firme, para trazer a pessoa de volta a si. Esse regresso ao lugar da sua existência é de onde pode repartir para a entrega. Deixando o anular, precisamente porque sabe de onde sai, cada pessoa dá-se como é e está. Se está no vigor da vida, pode entregar-se na ação de cabeça, coração e mãos. Se está já em tempos de muitos anos de serviço, recolhida a saborear o vivido, pode entregar-se na oração e na partilha da experiência de vida. Sabendo o seu lugar, aceitando a realidade para lá da utilidade, a entrega de cada pessoa ganha sempre corpo e comunica vida.

Tomar consciência do lugar próprio, no fundo, ser homem ou mulher de fé amadurecida, crescida, adulta, é exigente. Nos inícios, qual criança a que se lhe tem de dar comida à boca, é necessária a devida ajuda na compreensão dos mistérios. Escrevo “mistérios” desde a raíz mythos, de algo sempre novo a descobrir. Nada que ver com fechamento ou anulação. Pelo contrário, com maior abertura de horizontes, levando à entrega de si com os dons por Deus recebidos. A fé amadurecida é a que ajuda à libertação de acessórios, encontrando a força do essencial: o Deus da Vida e do Amor em qualquer lugar.

Os discípulos, ao irem encontrando o seu lugar na relação com Jesus, são enviados às periferias. Ainda assim, é importante salientar que a comunidade escolhida por Jesus é de pessoas de muitos lugares existenciais: homens e mulheres, alguns de pouca cultura; mesmo rude; e até escolhe um que o trai. Jesus, observador nato de humanidade, conhece os não lugares do ser humano. Ainda assim, escolhe-nos e envia-nos. Não nos querendo como crianças, a receber a comida diretamente na boca dada por alguém, desafia-nos a reconhecer o nosso lugar junto a Ele desde a maturidade. Todo o nosso ser, desenvolvido, é para a liberdade no acolhimento e comunhão d’Ele em mãos, como ensinaram desde muito cedo os Padres da Igreja, como sinal de serviço ao outro. Quando crescemos na fé, deixamos a pequenez de horizontes e somos capazes de ir seja aonde for e estar seja com quem for a ser dadores de vida e de justiça. O adulto na fé sabe onde está. Por isso, não segrega pessoas, mas congrega. O adulto da fé não ataca pessoas nem promove a violência, mas contribui para a união. O adulto na fé não se fica a olhar o alto em espiritualismo etéreo, mas sabe que o concreto, o contexto, é realidade de Deus, por isso, sem necessidades de superioridade, seja de que tipo for, aprende a dialogar com todas as tradições.

Tudo isto é exigente, sim. Até pode ser mais confortável ficar-se acomodado na infância. Ainda assim, a presença autêntica em Deus recorda-nos, mais uma vez, que desde o nosso lugar somos chamados, não a defender, mas a anunciar a vida em Seu nome. Para isso, é preciso crescer, madurar, na beleza da fé. Afinal, Ele tem em si mesmo tudo o que somos e desafia-nos a ser participantes da liberdade de tudo o que Ele é: Amor, de rins cingidos, dando nome e habitando o nosso lugar de timidez.

About the Author

Paulo Duarte SJ

Casa da Torre - Center for Spirituality and Culture

1979, Portimão, collaborator at Casa da Torre - Center for Spirituality and Culture (Soutelo - Vila Verde) and Centro Académico de Braga. His presence on social networks and occasionally on television shows allows him to live a broad communication with today's society. He has two books published: Deus como Tu (2018) and Rezar a Vida - A experiência da fé no quotidiano (2019).

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